Três cenários possíveis para o governo na França, após vitória da esquerda
Negociações para a formação de um novo governo acontecem em clima de incertezas.
- Categoria: Internacional
- Publicação: 09/07/2024 13:39
- Autor: Daniela Fernandes - De Paris para a BBC News Brasil
Quem vai ser o primeiro-ministro da França? Como o presidente francês, Emmanuel Macron, vai fazer para governar com menos assentos do que tinha antes da eleição legislativa e com um parlamento dividido em três blocos, sendo que nenhum deles tem maioria?
Essas são perguntas em aberto, que surgiram após as eleições legislativas realizadas na França, no domingo (08/07).
Ao dissolver o parlamento em junho e convocar novas eleições, Macron, argumentou que o país precisava de “uma maioria clara para agir com serenidade.”
Mas, na avaliação de analistas, Macron ‘perdeu a aposta’ e acabou criando uma situação ainda mais confusa, com o risco de ter um parlamento paralisado.
Longe da “maioria clara” esperada, as eleições legislativas antecipadas resultaram em uma situação inédita, com um parlamento dividido em três blocos com dimensões comparáveis: a esquerda (182 cadeiras), o centro do presidente Macron (168 assentos) e a direita radical de Marine Le Pen e seus aliados, com 143.
O bloco majoritário de esquerda, o Nova Frente Popular, está distante da maioria absoluta de 289 cadeiras que permitiria que ele governasse o país sem a necessidade de alianças.
A coligação, formada por grupos que vão de sociais democratas a anticapitalistas ferrenhos, obteve menos deputados do que os 250 que tinha o movimento de Macron antes da dissolução do parlamento.
As negociações para a formação de um novo governo acontecem em clima de incertezas.
A BBC News Brasil detalha aqui 3 cenários possíveis para a França:
Por enquanto premiê Gabriel Attal fica
Por enquanto, o atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, se mantém no cargo. Primeiro porque a aliança de esquerda ainda discute pelos próximos dias qual nome irá indicar a Macron para a função, tarefa que está longe de ser fácil porque há divisões dentro desse bloco.
Muitos estimam na França que Attal continuará como premiê até o encerramento dos Jogos Olímpicos de Paris, em meados de agosto, para evitar grandes mudanças durante o evento.
A primeira sessão do novo parlamento ocorrerá em 18 de julho. O presidente Macron declarou que prefere aguardar a estruturação da assembleia para tomar as decisões necessárias, entre elas a de indicar um primeiro-ministro de consenso, que não corra o risco de ser derrubado pelo parlamento.
1) Uma coalizão:
O primeiro cenário que pode se desenhar nas negociações é o de uma coalizão. Seria uma situação semelhante a de outros países europeus, como a Alemanha e a Itália, já que nenhum dos três grandes blocos têm maioria.
Alguns políticos franceses evocam a possibilidade de um governo “de união nacional” ou “provisório.” Mas a possibilidade de coalizão já enfrenta obstáculos.
As principais lideranças da esquerda, como Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, ou Olivier Faure, do Partido Socialista, descartaram essa possibilidade e afirmaram que as propostas do bloco de esquerda devem ser aplicadas integralmente, sem concessões, apesar do número insuficiente de deputados.
“Não faremos uma coalizão de contrários que irá trair os votos dos franceses”, disse Faure após a vitória.
Já outras personalidades da esquerda, como a líder ecologista Marine Tondelier, se mostram mais abertas a discussões com o centro, liderado por Macron, ou mesmo com a direita moderada.
O movimento de Macron já descartou qualquer aliança que inclua o partido França Insubmissa, de Mélenchon, a maior força da esquerda, com 74 deputados.
O campo do presidente está dividido entre partidários de uma aliança com parte da esquerda (socialistas e ecologistas) ou com a direita moderada.
Os Republicanos, de direita, conseguiram salvar 45 cadeiras após um racha no partido motivado pela migração de alguns de seus políticos para o Reunião Nacional, de Marine Le Pen. “Macron busca uma coalizão que não pode ser encontrada”, escreve o jornal Le Monde desta terça-feira.
2) Um governo minoritário:
Tecnicamente seria possível que Macron continuasse com um premiê de seu bloco, apesar de não ter maioria no parlamento.
Foi o que já ocorreu nas gestões dos premiês macronistas Elisabeth Borne e o atual Gabriel Attal.
Em seu primeiro mandato, o partido de Macron dispunha de maioria absoluta na Câmara, mas em junho, quando as eleições foram convocadas, o grupo do presidente possuía 250 assentos - menos que a maioria absoluta (289).
O campo presidencial conseguiu se manter nos últimos dois anos porque em momento algum forças da direita radical, da esquerda e da direita moderada dos republicanos se uniram para derrubar o governo aprovando moções de censura.
O movimento de Macron conseguiu governar buscando, a cada projeto, maiorias na votação e também utilizou regularmente uma cláusula constitucional que permite aprovar um projeto dispensando o voto do parlamento, mas há uma série de regras para aplicá-la.
E agora, o grupo de Macron tem ainda menos assentos (168) no parlamento que antes (250).
A Nova Frente Popular de esquerda poderia tentar governar da mesma forma, mas precisaria buscar o apoio de mais de 90 deputados de outras correntes.
O campo macronista também poderia, nesse caso, conservar o poder, mas precisaria convencer cerca de 120 deputados de direita moderada ou de centro-esquerda a deixá-lo governar.
Especialistas estimam que, sem uma maioria clara e estável, um governo minoritário corre o risco de ser derrubado a qualquer instante pelo parlamento.
3) Um governo técnico:
É a possibilidade considerada mais remota. Se a negociação e o parlamento estiverem paralisados, poderiam ser nomeados ministros sem filiação partidária, especialistas em suas áreas, para administrar o dia a dia e implantar reformas consensuais, com o apoio, em função da medida, de diferentes blocos do parlamento.
Exemplos práticos desse modelo ocorreram em outro país europeu, a Itália, que já teve no passado recente quatro governos técnicos em tempos de crise, mas não por um longo período.
Fonte: Correio Braziliense