STJ Recebe Pedido de Habeas Corpus para Trancar Ação Penal por "Racismo Reverso"
Caso de injúria racial contra homem branco suscita debate sobre legalidade e contexto histórico do racismo no Brasil
- Categoria: Brasil
- Publicação: 17/07/2024 09:21
- Autor: Isabela Stanga
O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) recebeu na quinta-feira (11/7) um pedido de habeas corpus para encerrar uma ação penal do Ministério Público de Alagoas (MP-AL) contra um homem negro acusado de injúria racial contra um homem branco. A ação, movida pelo MP, foi aceita nas primeiras instâncias da Justiça alagoana.
Assinada por nove advogados, a petição argumenta que o Judiciário de Alagoas acatou a tese de "racismo reverso", uma noção sem base legal no Brasil. A Lei nº 7.716/89, que define o crime de racismo, foi concebida para proteger grupos historicamente discriminados na sociedade brasileira, ressaltam os advogados.
"Práticas discriminatórias na sociedade brasileira têm historicamente como alvo a população negra, que enfrenta marginalização e exclusão social e cultural. O racismo, enquanto ideologia e mecanismo de manutenção de poder, vai além de xingamentos, estando imerso em um contexto histórico", diz um trecho do habeas corpus, divulgado na coluna de Carlos Madeiro no Uol.
A decisão do STJ pode estabelecer um precedente crucial para casos semelhantes no Judiciário nacional. A Defensoria Pública da União (DPU) emitiu uma nota técnica contra o uso da tese de "racismo reverso", argumentando que ela distorce o histórico de exclusão e violência que afeta a população negra no Brasil.
"Dizer que uma pessoa branca é vítima de racismo no Brasil pressupõe a criação de um contexto histórico e social de exclusão e violência que nunca existiu para este grupo. Nem a lei, nem os tribunais podem reconstruir uma História que seria, na verdade, um negacionismo histórico", afirma a nota da DPU.
O texto ainda destaca que a tese de "racismo reverso" nega as práticas discriminatórias enraizadas na sociedade brasileira, focadas na população negra e povos indígenas. Segundo a DPU, aceitar essa tese descredibiliza a luta histórica contra o racismo no Brasil, criando uma divergência sobre o verdadeiro significado do racismo no país.
O caso
A Justiça de Alagoas recebeu a denúncia em setembro de 2023, após um italiano registrar uma queixa contra um homem negro de Coruripe, litoral alagoano. Em uma conversa no WhatsApp em 6 de julho, o réu afirmou que "essa cabeça branca, europeia e escravagista não deixava enxergar nada além dele mesmo".
Com a sanção da Lei nº 14.532/2023, a ação penal passou a ser pública, permitindo apenas ao MP denunciar suspeitos. Em janeiro, a Promotoria denunciou o homem negro por "injúria racial", e a denúncia foi aceita pelo juiz. A defesa do réu é conduzida pelo Instituto Negro de Alagoas (Ineg).
Em maio, a Câmara Criminal do TJ-AL negou um recurso do Ineg para trancar a ação, mantendo o homem como réu no processo.
"[O réu], através do aplicativo WhatsApp, chamou a vítima de 'escravista cabeça branca europeia', além de enviar várias mensagens dizendo que este era uma pessoa má e que queria dar golpe nas pessoas. [..] Tal fato causou um mal-estar na vítima e seus familiares, que procuraram a delegacia", escreveu o delator João Luiz Azevedo Lessa ao negar o habeas corpus em segunda instância.
O Correio procurou o Ineg para um pronunciamento. A matéria será atualizada em caso de resposta. A defesa da outra parte não foi encontrada, mas o espaço segue aberto para possíveis manifestações.
Fonte: Correio Braziliense